A Gestão de Pessoas e o conceito de Sustentabilidade
Mais do que decifrar ou se fixar no conceito da palavra cuidado, iniciamos com uma pergunta que acompanha minha jornada corporativa: O conhecimento e a gestão podem curar as pessoas? Assim, esse é o anúncio provocativo num misto de travessia e perigo porque adotamos o cuidado como cura, mas, ainda é compreensível que ele (o cuidado) se encontre marginalizado das discussões de gestão e sustentabilidade porque vivemos num momento de decisões e resultados mais que velozes. Parte-se que é fundamental repensarmos os processos existentes nas empresas, identificando estados de estagnação do conhecimento ou a falta de alinhamento entre o que é pensado do que é feito – talvez um momento doentio nas relações humanas - muitas vezes apresentados como o crescente índice de absenteísmo, um número cada vez maior do turn-over ou de afastamentos por motivos de doenças.
Assim, cuidar é ampliar o conceito de sustentabilidade focada em resultados, e possibilitar uma aproximação saudável da missão e dos valores com as práticas das equipes, afirmando que os programas de sustentabilidade começam na relação entre as pessoas. Identifica-se no decorrer das conversas com os profissionais de Gestão de Pessoas que as empresas refletem o macro ambiente econômico, social e cultural externo e, que inevitavelmente se traduzem em diferentes desafios para os profissionais que pensam em soluções para gerir pessoas. É pela pergunta que transgredimos a ditadura do saber fazer e vivenciamos o saber ser e saber conviver.
Se ampliarmos o conceito do cuidado, chegamos num recorte histórico grego, onde se encontravam espaços de cuidados conhecidos como os templos médicos de Asclépio, principalmente quando é observado o diálogo como fonte de cuidados físicos, emocionais e, espirituais. Um exemplo é o fato de que os asclepianos recepcionavam as pessoas que se encontravam estressadas, preocupadas e com sentimentos doentios, e as técnicas aplicadas focavam no corpo, nas sensações espaciais e em tratamentos corporais que reorientavam seus freqüentadores, num movimento de libertação das amarras do autodesconhecimento. Será que essa é uma proposta para a Gestão de Pessoas deste século?
Apenas um toque para que entremos nos ensinamentos da sustentabilidade focada num misto de conhecimento-experiência-prática, aquela que reúne conceitos, afetos e transformações vitais num compasso que é ensinado por Carl Jung (1959) que uma pessoa saudável é aquela que evolui sempre, pois não se estagna em suas arcaicas maneiras de ver o mundo, o que significa que a doença é estar paralisado diante das situações novas. Um tipo de cegueira existencial diante do mundo novo que nos aprisiona nas mais variadas formas de orientar e formar os colaboradores, muitas vezes arraigadas em concepções de forte tradição, compartimentadas e hierarquizadas, como víamos na Escola Clássica da Administração.
Acreditar: a primeira atitude para uma ação do cuidado
Quando discutimos os conceitos de cuidado & sustentabilidade, faz-se importante relacionar nossa prática, nossa crença e valores pessoais para valorar a capacidade humana de acreditação, de superação diante de situações difíceis, e é a partir desta atitude que vivenciamos o desejo coletivo de compreender que os acertos e erros necessitam de abordagem suave para que um processo de aprendizado saudável aconteça.
É fundamental acreditar no time e apostar no sucesso do conjunto empresarial, apesar de observarmos certa tendência de evidenciar apenas os pontos fracos. É necessário aprender, também, que ao evidenciar um setor incompetente ou um grupo de pessoas despreparadas, deformamos os ciclos de valores, pois ao rotular pessoas ou departamentos, deixaremos para trás o cuidado nas mais variadas dimensões: emocionais, psicológicas, sociais, etc.
O perigo em conceituar as "boas práticas"
Queria inscrever meu projeto, mas imaginei que ele não era uma boa prática que merecesse a atenção de todos"²
Ao importarmos alguns conceitos sobre projetos e desenvolvimento humano, nos deparamos com as chamadas "boas práticas". Na mesma corrente de criação de rótulos, comentado anteriormente, denunciamos aqui o momento em que avaliamos os projetos dos colaboradores, caracterizando-os como "boas práticas", e assim, criamos (inconscientemente ou não), uma linha de trabalho focado nas experiências aparentemente de sucesso, esquecendo-nos dos diversos outros casos que julgamos insuficientes ou até medíocres, numa desconstrução do equilíbrio entre os pilares da sustentabilidade – econômico, ambiental e social.
Assim replicamos a cegueira em busca de uma suposta perfeição, minando novas experiências daqueles que julgamos desaprovados, um ato doentio para Carl Jung. Isso provoca um apartheit que permite que as "más práticas" permaneçam na periferia, nos cantos ou nos becos, instituindo políticas internas de insucesso ou incompetência. Aqui um retorno a inquisição que decepa e elimina a diversidade de propostas e projetos e, incentivando a sociedade dos joga fora. Isso provoca um desequilíbrio no conceito de Sustentabilidade que para nós, nasce dos indivíduos e dos grupos de trabalho.
Adjetivadas, as práticas são expostas as mais vorazes situações predatórias e vexatórias, pois entramos na mesquinharia das comparações, fechando nossos olhos para os talentos e as histórias de vidas ocultadas pelo crivo da segregação. Neste ato de preocupação é que incentivamos a expulsão desta prática dentro das corporações, num movimento de cuidar das pessoas.
A empresa cuidadora: uma possibilidade sustentável?
A palavra ensaio traz uma leveza na escrita porque é algo a ser construído, preenchido coletivamente, para evidenciar os sinais de que as empresas vivem diariamente as mestiçagens de públicos que buscam reconhecimentos por suas trajetórias de vidas, talvez sufocadas pela velocidade exclusiva dos resultados, alimentada pela excessiva produtividade e com fortes tendências ao individualismo. Talvez uma saída? Repensar a empresa como espaço cuidador.
É a partir deste ponto que discorremos sobre o cuidado num conceito aparentemente estrangeiro, mas extremamente necessário para a reflexão das nossas práticas, mesclando a gestão, as pessoas e a sustentabilidade. Assim, ligaríamos novamente a saúde ao espaço empresarial sem adentrarmos em territórios religiosos, mas de cuidados, como nos ensina Leloup³: "os cuidados do corpo não excluem os cuidados da alma, os cuidados da alma (psyché) não dispensam que se leve em consideração a dimensão espiritual do homem. Não existe saúde que não seja ao mesmo tempo salvação. Além do mais, em grego é a mesma palavra: soteria".
¹ Carl Gustav Jung (1875-1961), psiquiatra suíço e fundador da psicologia analítica. Ver www.ajb.org.br
²Colega de trabalho que não enviou seu trabalho para um Banco de Talentos, na Escola de Educação Profissional.
Por: Fernando César de Souza. Bacharel em Administração, Mestre e Doutor em Educação pela PUC/São Paulo. Professor do Centro Universitário Italo Brasileiro e Técnico de Educação Profissional do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, São Paulo. Pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares Fernando. Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.